quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Limpando o rio

Há alguns anos eu estava MUITO pessimista, via o fim do mundo muito próximo e achava que o mundo ia se acabar, mas eu e meu filho sobreviveríamos e andaríamos como entre corpos e pedaços de pessoas e do próprio mundo, sem água, na aridez, na falta, na sujeira, no desespero alheio. Não sentia como um desespero, mas um sentimento de fatum. O mundo corria para seu fim, nada haveria de ser feito. Uma aceitação horrorosa do fim do mundo, mas uma aceitação solene, não sei se consigo me fazer entender. O fato é que comecei, àquela época a me preparar para esse período de falta, nem sei exatamente como pensava essas coisas. E o curioso é que eu queria morar em uma casa, perto de um rio. Ainda quero.

Entretanto, por mais que pareça que a humanidade caminhe para seu próprio extermínio, isso não vai acontecer tão cedo. Então por que parecia, para mim, uma imagem tão próxima? Como a vida continuava sem muitas mudanças ou indícios da veracidade dessa fantasia, liguei pra uma amiga taróloga, superconfiável que recomendo a quem precisar. Não lembro bem as cartas (faz tempo, faz tempo), mas eram cartas femininas. E ela me recomendou "Mulheres que correm com os lobos" da Clarissa Pinkola Estés.

Comprei o livro imediatamente, na época, e, como estou com a nota fiscal em mãos, posso verificar agora que todo esse quadro sombrio acontecia no início de 2009. Li o livro avidamente e é, de fato, impressionante, como o lado sombrio pode mostrar algo sobre nós.

Todo esse contexto, dos idos de 2009, narrei pra situar o sonho que tive de anteontem pra ontem. Sonho que se tornou ainda mais forte, quando peguei o livro depois de 2 anos e meio, abri aleatoriamente e li a narrativa que a Clarissa descrevia. Vou tentar juntar as duas partes. Talvez fique meio sombrio... mas é necessário... e já estou feliz com o fato de estar escrevendo... pode ser libertador, já que há mais tempo do que isso me parece que desaprendi a escrever. Vamos lá.

O Sonho
Não vou lembrar todos os detalhes, mas vamos lá. Começa com uma lembrança de que eu tinha casa, tinha conforto e tals. Um rapaz jovem (que parece meu filho, mas como poderemos ver, esse filho não precisa ser literal, quer dizer, ele estaria ali, mesmo que eu não tivesse um filho real) me convence a morar na rua, com os sem-teto. E parece que já se passaram 2 meses, segundo penso, o suficiente para caracterizar pessoas que moram na rua pelos seus andrajos, pela ausência de banho, etc. Lembro também que a roupa é inconveniente e por vezes, me deixa com o movimento dificil. Um dado momento esse jovem decide pegar o carro estacionado. Esse carro parece ser o nosso, porque temos a chave e eu concordo com o fato de que chegaríamos mais rápido onde moramos (na rua) se formos de carro. No entanto, enquanto ele dirige me ocorre, e aí parece que fico tensa, que ninguém acreditaria que o carro é nosso e que seríamos acusados de roubo e talvez perseguidos. Então ele me ouve e entra em várias ruas procurando uma que seja deserta, para que possamos deixar o carro sem sermos percebidos. Parece que o que nos aflige é o fato de que não adiantaria falar que o carro era nosso por conta da nossa aparência. Não encontramos nenhuma rua em que pudéssemos parar o carro. Sempre tem uma pessoa no meio da rua, conhecida ou não, mesmo nas ruas mais estreitas. E todas essas pessoas parecem uma ameaça. Fico angustiada.

A narrativa aleatória
"La Llorona ficou com um rico hidalgo, dono de fábricas, junto ao rio. Algo, no entanto, deu errado. Durante a gravidez, La Llorona bebeu água do rio. Seus filhinhos, dois meninos gêmeos, nasceram cegos e com os dedos unidos por membranas, pois o hidalgo havia envenenado o rio como os dejetos das suas fábricas. O hidalgo disse a La Llorona que não a queria, nem a seus filhos. Ele se casou com uma mulher rica que queria os objetos produzidos pela fábrica. La Llorona jogou os filhos no rio porque eles iriam levar uma vida extremamente difícil. Depois, ela caiu morta de tanta dor. Ela foi para o céu, mas São Pedro lhe disse que ela não poderia entrar enquanto não encontrasse as almas dos filhos. Agora La Llorona procura o tempo todo por seus filhos no rio poluído, mas ela mal chega a ver alguma coisa de tão escura e suja que é a água. Ora seus longos dedos de fantasma varrem o fundo do rio. Ora ela vagueia pelas margens chamando pelos filhos o tempo todo."

Essa narrativa seria a versão moderna de La Llorona. A outra é bem mais sombria: quando o hidalgo resolve se casar com a outra, ela arranha o homem, a si mesma, pega as crianças e as joga no rio (não há a informaçao de que o rio foi envenenado pelo hidalgo, nem que as crianças estavam inaptas à vida). Quando La Llorona morre, o porteiro do céu diz que ela pode entrar, já que sofreu, mas antes, tem de resgatar a alma das duas crianças. E termina do mesmo modo.

A história de La Llorona é "compreendida como uma imagem da deterioração do fluxo criador". É essa interpretação que me faz achar importante nesse contexto. "Esse conto emprega as imagens da bela mulher e do puro rio da vida para descrever o processo criador da mulher em estado normal. Aqui, porém, quando eles interagem com um espírito destrutivo, tanto a mulher quanto o rio decaem. É então que a mulher cuja vida criativa está definhando vivencia, como  La Llorona, uma sensação de envenenamento, de deformaçao, um impulso para acabar com tudo. Em seguida, ela é levada a uma procura aparentemente interminável do seu potencial criativo original, em meio aos destroços. Para a correção do seu ambiente psíquico, o rio precisa voltar a ficar limpo. Nessa história, não estamos preocupadas com a qualidade dos produtos da nossa criação, mas com a determinação e os cuidados para com nossa vida criativa. Sempre por trás do ato de escrever, de pintar, de pensar, de curar, de fazer, de cozinhar, de falar, de sorrir, de criar, está o rio, o Rio abajo Rio. O rio debaixo do rio alimenta tudo o que criamos."

"Esse enlameamento da vida criativa invade todas as cinco fases da criação: a inspiração, a concentração, a organização, a implementação e manutenção. As mulheres que perderam uma ou mais dessas fases relatam que não "conseguem nem pensar" em nada de novo, de útil ou que desperte sua empatia. Elas se vêem facilmente "perturbadas" por casos de amor, pelo excesso de trabalho, pelo excesso de lazer, pela fadiga ou pelo receio de fracassar."

Não vou interpretar, acho que já expus demais. Na boa, tá? E também peço apenas empatia,  e não interpretações, não me levem a mal... pensei até em apenas redigir e guardar. Mas resolvi publicar. Expor o processo. Começo a limpar o rio, sabe-se lá como. Mas começo. Vou recuperar minhas criações... meus artigos, minhas colagens, minha pós, meu trabalho, minha cozinha, minha casa, meus amores, minha mulherice...

sexta-feira, 22 de julho de 2011

A Distância e o silêncio (Ele) (Ela)


Quando estava no multiply, nossa rede criou um projeto super criativo, Composição à vista de Gravura. A ideia era colocar uma foto e as mais diversas pessoas escreveriam contos inspirados nela. Só participei da primeira "composição". Mas foi logo com dois contos. A foto foi proposta por um dos contatos do multiply, Wagner.

Meus dois textos:

A distância e o silêncio (Ele)


Não... eu não estava só. Não naquele instante.
Naquele instante, silenciamos. Tanta coisa a ser dita e nada precisava ser dito.
Ela andava à minha frente. Parei. Não adiantava segui-la. O caminho já não era mais meu.
Ela continuou com seus passos lentos, leves e firmes. Não olhou para trás.
Por um momento, senti que ela hesitava. Mas não... era meu desejo que deixava seus passos ainda mais lentos.
Meus pés, presos a cada pedra, se despediam.
A cada pedra, a distância aumentava o meu silêncio.
Sim... estou só. Neste instante.


A distância e o silêncio (Ela)

Ele fala demais! Assim não consigo nem pensar...
Andávamos juntos e eu havia dito não pela primeira vez. Estranhamente, aquilo pareceu definitivo.
Ele continuava sereno, como sempre, mas não parava de falar.
Eu estava cansada, continuei andando. Ele ficou para trás. Eu andava lentamente e ouvi suas últimas palavras.
Percebi que andava sozinha. E que não mais o ouvia. Diminuí a velocidade dos meus passos, esperando uma frase, uma palavra, uma única palavra!
Nada ouvi.
Ao olhar para o chão, percebi que estava cada vez mais só.
Cada vez mais só.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Diálogo impossível: quem é Ken?

Diálogo clássico. Só poderia acontecer entre mim e meu sobrinho. Também não tenho como precisar a data, mas deve ter sido em meados de 2005.

Meu ponto de vista:
Titia, eu vou me fantasiar de quem no carnaval?(juro que ouvi uma interrogação)
É? De quem?
De quem? (continuo ouvindo uma interrogação)
Não sei, Paolo. De quem?
Quem usa um quimono laranja? (ah, que bom, ele está me dando uma dica sobre quem é...)
Ah, é? Quem é?
Quem!


A esta altura minha irmã está às gargalhadas. Finalmente eu entendo e Paolo também. Ficamos os três rindo do quanto sou sem noção. Aos poucos vou percebendo que sou alienada nos mais diversos momentos. Apesar de já ter visto meu sobrinho, Paolo, jogar Street Fighter algumas centenas de vezes, não me toquei que era do Ken que ele estava falando.




O possível ponto de vista do meu sobrinho:
Titia, eu vou me fantasiar de Ken no carnaval.
Ah, é? De Ken?
De Ken.
Não sei, Paolo. De Ken?
Ken usa um quimono laranja.
Ah, é? Quem é?
Ken!

Vida latente

Este texto é mais antigo do que 2005. Não tenho como precisar a data, mas foi inspirado em um dia do inverno carioca.






Sou um animal estranho. Os seres da minha espécie reconhecem-se entre si. Só sei que nasci entre eles porque vi fotos. Esse saber parece mais uma crença, afinal não tenho lembrança nenhuma desse passado. 

Aliás, mesmo vendo as fotos não consigo me reconhecer. Qualquer duplo meu dói. Passei a vida me sentindo e, hoje, descubro que tenho uma camada exterior. Uma casca? Não sinto como uma casca. Meus olhos dessa camada marejam. Abro os olhos. Não, não são meus olhos.

Semanas sem falar. Silêncio. Embora esse silêncio não signifique falta de comunicação. Será que minhas palavras vãs não necessitam de ouvidos? Dias andando pelas ruas. Ruas e calçadas. A cada rosto um ponto de interrogação: não os reconheço, ninguém me reconhece.

Serei eu um animal estranho?

Passo pelos caminhos, não me notam. Procuro minha caverna. Minha caverna está lá no alto, onde o ar é mais rarefeito. Subo a trilha, o ar vai ficando ralo e raro, vou tornando mais lenta minha respiração. Cada vez mais inspiro menos – e isso é proposital.

Finalmente, à minha caverna: meu metabolismo já está baixo o bastante para hibernar. Sou um animal estranho, apesar de não ver ninguém, peço licença para meu repouso.

Dormirei quarenta dias e, depois desse tempo, espero que apenas o sol esteja frio.

Unborn Love

O título é de um grande amigo, Marcio. A inspiração também nasceu de uma conversa lá pelos idos de 2005...

Alma minha, cicatriz...
fracasso que marca o
coração ferido
Quem se importa?

Eu fui uma criança
que morreu em mim
nasceu morta
quando você me morreu

Quem se importa?
Não se pode ver no escuro
No meu quarto, o vermelho sangra.
Se passa?
Não... a dor não passa enquanto eu não passar.

Se há fé

Em 2005, depois de profícua participação em uma rede multiply. Morri virtualmente e renasci com outra página. Até hoje, achava que os textos estavam perdidos. Hoje me deparei com eles. Essa sequencia de textos antigos estão aqui só porque gostaria de revisitá-los um dia.



Se há fé
em um grito que não se ouve
Se há fé
em alguém que não se vê
Há força
nos sussurros
Há vida
nas vigílias
Há sentido
nos chamados
E o invisível enfim se manifesta
E o inaudível enfim se torna ouvidos