quinta-feira, 21 de julho de 2011

Vida latente

Este texto é mais antigo do que 2005. Não tenho como precisar a data, mas foi inspirado em um dia do inverno carioca.






Sou um animal estranho. Os seres da minha espécie reconhecem-se entre si. Só sei que nasci entre eles porque vi fotos. Esse saber parece mais uma crença, afinal não tenho lembrança nenhuma desse passado. 

Aliás, mesmo vendo as fotos não consigo me reconhecer. Qualquer duplo meu dói. Passei a vida me sentindo e, hoje, descubro que tenho uma camada exterior. Uma casca? Não sinto como uma casca. Meus olhos dessa camada marejam. Abro os olhos. Não, não são meus olhos.

Semanas sem falar. Silêncio. Embora esse silêncio não signifique falta de comunicação. Será que minhas palavras vãs não necessitam de ouvidos? Dias andando pelas ruas. Ruas e calçadas. A cada rosto um ponto de interrogação: não os reconheço, ninguém me reconhece.

Serei eu um animal estranho?

Passo pelos caminhos, não me notam. Procuro minha caverna. Minha caverna está lá no alto, onde o ar é mais rarefeito. Subo a trilha, o ar vai ficando ralo e raro, vou tornando mais lenta minha respiração. Cada vez mais inspiro menos – e isso é proposital.

Finalmente, à minha caverna: meu metabolismo já está baixo o bastante para hibernar. Sou um animal estranho, apesar de não ver ninguém, peço licença para meu repouso.

Dormirei quarenta dias e, depois desse tempo, espero que apenas o sol esteja frio.

Um comentário:

Alberto Kelevra disse...

De uma delicadeza e de um intimismo ímpar...